domingo, 13 de março de 2016

O vício mais velho e constante do pensamento liberal é a confusão entre ideais e realidades. O típico liberal entende a política como um conflito de interesses regulado por normas consensuais, que vão desde a Constituição, as leis eleitorais e o código penal até as regras de polidez. A política, nesse sentido, exclui toda forma de violência ou brutalidade, não só física como até verbal. Mas a política É isso por essência, de maneira universal e constante? Obviamente não. Por toda parte observa-se a resolução de conflitos políticos por meio da guerra civil, do genocídio, da corrupção, do assassinato de reputações etc. O liberal, portanto, toma como definição objetiva o que é na verdade apenas a expressão de um ideal e desejo. Quando ele diz “a política”, deveria dizer “a boa política, no meu enteder”. Pior: esquece que, nos raros casos em que esse ideal chegou a realizar-se, foi por meio de algum tipo de violência inaugural que instaurou o reino da convivência pacífica por meio da liquidação física dos inimigos da nova ordem. O belo modelo anglo-saxônico, no qual com freqüência os liberais tão deleitosamente se inspiram, jamais teria se implantado sem a Guerra de Independência, nos EUA, e o morticínio estatal dos católicos, na Inglaterra. Na realidade histórica, a política só pode ser descrita objetivamente mediante uma inversão da fórmula de Clausewitz: não é a guerra que é uma continuação da política por outros meios, mas sim a política que é uma continuação da guerra por outros meios, quando não pelos mesmos. A política PODE, em certos casos, apoximar-se daquilo que o liberal quer e imagina que ela seja, mas, quando isso acontece, é no mais das vezes por meios opostos e hostis a esse mesmo ideal.
Essa inconsistência de base pode levar mesmo os melhores cérebros liberais a desatinos cômicos. Darei exemplos mais tarde.


Se a política É efetivamente alguma coisa, isto é, se tem alguma consistência ontológica como aspecto da realidade, então é forçoso reconhecer que a má política é tão política quanto a boa, isto quando não é mesmo uma condição para que a boa se realize.

Um professor liberal a quem muito aprecio, e cujo nome por isso mesmo omitirei, declarou outro dia que a violência verbal nas discussões políticas no Brasil chega a ser uma espécie de canibalismo. Mas haverá violência verbal maior do que chamar de “canibal” quem não se enquadre no modelo de discussão política que achamos desejável?

Jairo Alves Paralaxe cognitiva, professor Olavo de Carvalho?
Olavo de Carvalho Nesse caso, é mesmo.

Os marxistas têm o mais profundo desprezo pelo modelo da política bem arrumadinha, humana e polida que encanta a mente liberal, mas sabem usar esse modelo como camisa-de-força para aprisionar o adversário na malha das suas próprias contradições. Todo o “politicamente correto” é um ardil desse tipo.

A coisa mais idiota que um cérebro humano pode fazer, e que muitos brasileiros acham a mais alta realização intelectual possível, é pensar tudo em termos de “pró” e “contra”. Por exemplo: sou liberal ou antiliberal? Na medida em que compartilho dos ideais liberais, sou liberal. Na medida em que não os confundo com a realidade, sou antiliberal. Não vejo como resolver essa contradição, porque ela não está em mim e sim na própria mente liberal tal como a enxergo.

Em “Conhecimento e Política”, seu primeiro livro, que é o melhor da sua produção e na verdade o único que merece ser lido, o dr. Roberto Mangabeira Unger faz também um exame crítico da mente liberal, mas confundindo, o tempo todo, política liberal com idéias liberais, ou seja, exemplificando na sua própria pessoa os vícios que enxerga na mente liberal. O “e” no título do livro expressa uma síntese confusa e não a distinção que parece prometer.


O de C

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