A pessoa de quarta camada, por exemplo, imagina que o ponto máximo de segurança na vida é a afetividade alheia: "quando eu encontrar o amor, fundamentarei tudo nele". Mas o amor humano não é aquele que nos foi dado "antes da fundação do mundo": ele é condicionado por outros fatores (não raro bem mesquinhos).
A quarta camada é abandonada quando o sujeito aceita sinceramente, e
sem ressentimentos, que o amor das outras pessoas NUNCA será
incondicional, e que ele precisa causá-lo por meios externos -- precisa
TORNAR-SE alguém melhor para atrair sobre si o afeto alheio. Regredindo
do efeito para a causa, ele está um pouco mais próximo,
intelectualmente, de Deus.
A tentativa de "abandonar-se a Deus" sem passar por esse processo resulta, frequentemente, em neurose e blasfêmia: o sujeito ainda quer o amor dos homens, mas esconde o vício antigo debaixo dos símbolos sagrados, e se ancora no nome de Deus para conquistar o afeto dos homens.
J Henrique Vissotto Dá para contar nos dedos os brasileiros capazes de escrever uma reflexão tão profunda como essa.
A propósito, aquela velha pergunta, existe amor incondicional?
A tentativa de "abandonar-se a Deus" sem passar por esse processo resulta, frequentemente, em neurose e blasfêmia: o sujeito ainda quer o amor dos homens, mas esconde o vício antigo debaixo dos símbolos sagrados, e se ancora no nome de Deus para conquistar o afeto dos homens.
J Henrique Vissotto Dá para contar nos dedos os brasileiros capazes de escrever uma reflexão tão profunda como essa.
A propósito, aquela velha pergunta, existe amor incondicional?
Curtir · Responder · 1 · 5 de abril às 11:14
Rafael Falcón Existe: o de Deus. Porém, apesar de não ter condições, ele tem exigências, que são ainda piores.
Curtir · Responder · 16 · 5 de abril às 11:29
Helder Lima Por que são piores?
Rafael Falcón Quem
não suporta uma condição, muito menos pode suportar exigências: porque a
condição ao menos traz um prêmio imediato, enquanto a exigência não
passa de obrigação por um prêmio já recebido.
Curtir · Responder · 12 · 5 de abril às 11:46
Helder Lima Mas
isso não depende também do tipo de condição? Por exemplo: precisar ser
rico, bombado e materialista para ter o amor da garota. Para uma pessoa
razoavelmente religiosa parece mais fácil preferir obedecer os 10
mandamentos sem ter garotas, rsrs.
Rafael Falcón O
problema começa quando você entende o verdadeiro alcance dos Dez
Mandamentos. Aí eles não parecem mais tão tranquilos de se obedecer.
Lara Azevedo Talvez
isso soe infantil, talvez seja, mas se eu não fizer conta do afeto
deles, ou se eu fizer conta do afeto só de um? É claro, é bom ter o
afeto do outro, mas precisar atraí-lo? Tal afeto não é o que me sustenta
de fato, não é o que sustenta minha alma,
assim, eu não precisaria tornar-me alguém melhor para atrair sobre mim o
afeto alheio, embora isso aconteça como consequência. Eu preciso me
tornar melhor por mim e para isso eu preciso pensar no outro, no seu
bem. Mesmo que o afeto do outro torne tudo mais simples e confortável,
não é o que preciso de fato. Não quero me esforçar por isso... kkkkkkkk
que orgulhosa ou seria preguiçosa? Contudo eu compreendo que na busca
pelo amor queiramos o afeto de outros.
Eis o que acho que acontece na saída da quarta camada.
Em casos normais, uma experiência traumática consolida a percepção de que o amor alheio é sempre algo muito frágil, e que depende de outros fatores, sem os quais se desintegra no ar. Alguns desses fatores estão sob meu controle, outros não.
Sou atingido pela força total da verdade, que não raro expressarei em fórmulas terríveis como "ninguém jamais me amará" ou "estou por conta própria para o resto da vida". A frustração é tão completa que não consigo mais projetar uma situação imaginária em que as coisas seriam diferentes. Não consigo nem mesmo culpar as pessoas envolvidas, porque agora entendo que isso faz parte da estrutura das relações humanas.
Rafael Falcón Uma
pessoa na quarta camada até pode CONCORDAR com essas coisas, mas ela
continua QUERENDO o afeto de alguém. Por isso acho que único caminho
para sair disso é o que mencionei.
Quando alguém ainda depende da afeição de seu grupinho de referência,
ele pode até ACREDITAR que o amor humano não seja confiável, que
devemos abandonar-nos a Deus, etc. Só que uma mera crença não vale muita
coisa quando você continua sentindo a mesma necessidade de afeto.
Em casos normais, uma experiência traumática consolida a percepção de que o amor alheio é sempre algo muito frágil, e que depende de outros fatores, sem os quais se desintegra no ar. Alguns desses fatores estão sob meu controle, outros não.
Sou atingido pela força total da verdade, que não raro expressarei em fórmulas terríveis como "ninguém jamais me amará" ou "estou por conta própria para o resto da vida". A frustração é tão completa que não consigo mais projetar uma situação imaginária em que as coisas seriam diferentes. Não consigo nem mesmo culpar as pessoas envolvidas, porque agora entendo que isso faz parte da estrutura das relações humanas.
A partir desse trauma, a pessoa desiste efetivamente do afeto alheio, e
pode inclusive começar a desprezar todo mundo, tornar-se repentinamente
egocêntrica e impaciente, etc. É a quinta camada da personalidade.
Helder Lima Aquela reação que o Rafael cita, de desprezar as pessoas e ficar egocêntrico e impaciente, inclusive, é um sinal de que algo doeu muito lá no fundo e você está tentando se defender.
Leonardo Bartel Até onde pude perceber, quando se passa para a quinta camada, há uma certa dose de impulsividade e arrogância, além de uma impressão de que é preciso "recuperar o tempo perdido" (penso que esta acontece no caso da passagem ter-se dado fora do tempo "apropriado", que seria o da adolescência). Procede, professor?
Aliás, é uma honra ser seu colega de curso.
Dennys Roger E o que acontece quando nos tornamos altruístas e impacientes por sentirmos a necessidade de tentar evitar ou mitigar trauma semelhante em outras pessoas??
Helder Lima Aquela reação que o Rafael cita, de desprezar as pessoas e ficar egocêntrico e impaciente, inclusive, é um sinal de que algo doeu muito lá no fundo e você está tentando se defender.
Curtir · Responder · 3 · 5 de abril às 14:33
Rafael Falcón Helder Lima não, a impaciência e o egocentrismo só vêm depois da cicatrização.
Curtir · Responder · 8 · 5 de abril às 14:38
Rafael Falcón A
pessoa na quinta camada pode ser insuportável. Só pensa em si mesma e
nem vê os outros na frente. Esse é seu estado normal, e não tem nada a
ver com dores internas, etc. Ela simplesmente está muito preocupada com
outras coisas para pensar nos outros.
Rafael Falcón Eu acho que nenhuma camada é pior do que a quarta. Talvez a terceira, mas não me lembro de como era estar nela.
Rafael Falcón No
fundo, a experiência traumática faz com que eu encare a irrealidade das
minhas próprias exigências, isto é, que eu reconheça sua
impossibilidade material, e as descarte como delírios. É uma espécie de
descoberta de si mesmo.
Bruno Solís O limite da personalidade da pessoa vai até a situação que ela consegue imaginar pra si mesma?
Curtir · Responder · 3 · 5 de abril às 14:27
Rafael Falcón Sim,
creio que pode ser dito assim. É aquilo que ela busca, e ela sempre
buscará o máximo valor que pode conceber como possível para si.
Curtir · Responder · 12 · 5 de abril às 14:29
Bruno Solís Ótimo! Obrigado!
Gabriel Warken Charczuk Como faz para diferenciar essa imaginação do desejo fetichista?
Curtir · Responder · 2 · 5 de abril às 14:45
Rafael Falcón O
fetichismo, creio eu, é quando você mascara um desejo com um símbolo.
Por exemplo, você quer que te achem maneiro na facul, e para isso estuda
filosofia. Mas o que você diz com a boca é que ama filosofia. Então
como se resolve isso? Aprendendo a examinar sua própria consciência. Ser
sincero consigo mesmo sobre o que você está procurando.
Leonardo Bartel Até onde pude perceber, quando se passa para a quinta camada, há uma certa dose de impulsividade e arrogância, além de uma impressão de que é preciso "recuperar o tempo perdido" (penso que esta acontece no caso da passagem ter-se dado fora do tempo "apropriado", que seria o da adolescência). Procede, professor?
Aliás, é uma honra ser seu colega de curso.
Curtir · Responder · 4 · 5 de abril às 14:57 · Editado
Rafael Falcón Procede, sim, e a honra é minha.
Dennys Roger E o que acontece quando nos tornamos altruístas e impacientes por sentirmos a necessidade de tentar evitar ou mitigar trauma semelhante em outras pessoas??
Rafael Falcón Esse seria um sinal claríssimo de que ainda estamos na quarta camada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário