sexta-feira, 1 de abril de 2016

Uma coisa que sempre me impressiona nos autores marxistas é sua capacidade de raciocinar com base em premissas jamais provadas, tomando-as como se fossem verdades inquestionáveis. TODOS, sem exceção, fazem isso.

Uma característica essencial e constante do pensamento marxista é raciocinar sempre a partir de premissas fixadas pela sua própria tradição e desenvolvê-las em mil e uma ramificações e conseqüências, elaborando meticulosamente as divergências internas e detalhes históricos da formação de cada variante, sem JAMAIS voltar às questões fundamentais e recolocar em questão os princípios. Nunca vi um só pensador marxista que tentasse, nem de longe, provar a veracidade da mais-valia, da luta de classes como motor principal da História, ou mesmo do materialismo dialético de modo geral. Tudo o que se faz é criar novas e mais sofisticadas versões desses princípios, discutir as diferentes interpretações que receberam de vários teóricos, e "aplicá-los" a novas construções explicativas de tal ou qual fenômeno histórico-social, sem nem mesmo cotejá-las com qualquer explicação alternativa, dada "in limine" como viciada por interesses de classe. Assim, a discussão pode evoluir indefinidamente, estendendo-se num vasto e inabarcável matagal de questões interessantíssimas jamais submetidas ao teste de realidade. Vidas inteiras consomem-se assim na dedicação integral à construção de uma mixórdia intelectual sem fim, cada vez mais fascinante e hipnótica. É assim que o acachapante fracasso econômico do comunismo coexiste pacificamente com o seu permanente sucesso editorial e universitário.

Saulo Freitas Bass Prof. Olavo, todos estes políticos, mídia, artistas, classe docente, aqui no Brasil, sabe bem as técnicas marxistas ou estão mais para imbecis a serviço da confusa cultura comunista?

Olavo de Carvalho: Respondendo ao Saulo Freitas Bass: Basta que um entre cada cem esteja consciente. O resto, como bem dizia Willi Münzenberg, é "criação de coelhos".

Por isso o marxista jamais DISCUTE com outras correntes de pensamento: Ignora-as ou as reinterpreta segundo os seus próprios cânones, jamais lhes concedendo o direito de falar por si mesmas. A tradição marxista é um solipsismo coletivo fundado num sentimento de solidariedade militante e autoproteção psíquica contra o "inimigo de classe". É o mais esplêndido fenômeno de teratologia intelectual de todos os tempos.

Stalin e a turma da KGB sempre compreenderam o marxismo muito mais do que todos os filósofos marxistas.

Jean Martins Bataiola Professor depois de Marx, qual foi o maior filósofo do marxismo? Seria Gramsci?
Olavo de Carvalho Jean Martins Bataiola Lukacs, de longe. 


Se você começa a ler a "Estética" de Georg Lukacs, você tem material para continuar pensando pelo resto da sua vida sem JAMAIS ter tempo de perguntar: "Mas, afinal, essa porra é VERDADE?"

Hegel, que era um filósofo de raça, embora com um sutil pendor pela vigarice, ensinava que a fé no poder de conhecer a verdade é a primeira condição da investigação filosófica. Mas o marxismo se tornou tão rico e complexo que uma vida não basta para conhecê-lo por inteiro, de modo que a questão da verdade vai sendo adiada até ser completamente esquecida.

Um pouco de estudo da História basta para provar que a colaboração entre as classes com vistas a um bem maior é um elemento muito mais constante do que a "luta de classes". É fácil, no entanto, escapar desse fato sob o pretexto de que os momentos de colaboração e harmonia refletem apenas o triunfo temporário da classe dominante e a falta de autoconsciência da classe dominada. É assim que a paz se torna guerra, e a guerra paz, numa fascinante suruba de gatos pardos.

Se numa família existe amor e harmonia em vez de ódios e recriminações, a teoria feminista chama isso de triunfo temporário do macho, e fica provado que "no fundo" é tudo ódio e recriminação. A interpretação neutraliza os fatos. É o mesmo esquema da "luta de classes".

Quando ouço professores universitários brasileiros de sessenta, setenta anos falando sobre Georg Lukacs, vejo no que eu teria me tornado se continuasse pensando como pensava aos dezessete anos. De que merda escapei, quiuspa!

Marxistas não ligam a mínima para a verdade porque acreditam que a única verdade é a do processo histórico, do qual eles própios pretendem ser os condutores. É o pretexto mais elegante que alguém já encontrou para inventar a verdade a seu belprazer. Nunca a expressão "donos da verdade" se aplicou tão perfeitamente. Fazem com a dita cuja o que bem entendem. É difícil deixar de ser marxista porque o marxismo é um prazer narcisístico indescritível. É uma punheta intelectual de fazer inveja ao Padre Beto.

Há um certo tipo de idiotice que é vedado aos cidadãos comuns. Só filósofos lhe têm acesso.

Ninguém no mundo consegue raciocinar com tantos pressupostos embutidos quanto um marxista. Aos dezessete anos comecei a ler a gigantesca "Estética" de Georg (ou Gyorgy) Lukacs. Nunca passei do primeiro volume, e até hoje me surpreendo de ver, ali, em quantas coisas um sujeito pode acreditar sem saber que acredita.

O materialismo é um PRESSUPOSTO do marxismo, Nenhum marxista jamais tentou prová-lo. Só o que fazem é elaborá-lo em versões cada vez mais sofisticadas e elegantes, ao ponto de tornar-se incapazes de distingui-lo do idealismo subjetivo, como creio ter demonstrado suficientemente em "O Jardim das Aflições"

As comunidades de intelectuais são clubes de hipnose recíproca.

Jesus disse: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida." Todo marxista acha que é um pouco mais: "Eu sou o caminho, a verdade, a vida e a práxis."

Para um marxista, é ABSOLUTAMENTE IMPOSSÍVEL parar para perguntar: "E se esta merda que eu estou dizendo não for verdade?"

O problema com a crítica liberal-conservadora do marxismo é que ela procura demonstrar que ele não é verdade. Essa questão é inacessível à mente marxista, já que a única verdade que ela reconhece é a da práxis, que ela própria encarna ou acredita encarnar. O marxismo não é acessível à crítica lógica, só ao desmascaramento psicológico. Por isso é que romances como "1984" ou "Darkness at Noon" fizeram muito mais estragos no campo marxista do que qualquer análise crítica, por mais linda que fosse.

Os marxistas jamais odiaram algum filósofo liberal-conservador tanto quando odiaram Arthur Koestler e George Orwell. A mensagem destes era simples: "Eu não estou dizendo que a sua filosofia é falsa. Só estou dizendo que você é um filho da puta."

É errado pensar que o marxismo seja uma religião, voltada para a visão utópica de um futuro maravilhoso. Os marxistas falam MUITO POUCO desse glorioso mundo futuro. O que eles curtem mesmo é a participação presente na práxis, a qual é mesmo um tesão indescritível.

Os cristãos falam pouco do Paraíso porque sabem que não são eles que vão criá-lo e que nem adianta dar palpites a respeito. Os marxistas, embora se digam os criadores do seu paraíso futuro, falam pouco sobre ele porque não estão nem minimamente interessados em criá-lo, e sim apenas em continuar curtindo pelos séculos dos séculos o tesão praxeológico.

Lucien Goldmann disse uma vez que para ele o socialismo era "uma experiência religiosa". Mas ele não se referia à contemplação extática do futuro paraíso socialista e sim ao indescritível tesão espiritual da participação na práxis.



O de C

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