sábado, 16 de julho de 2016

sobre a ética no ato de escrever - O de C

Um escritor estreante dotado de consciência e dignidade não sai logo opinando sobre temas gerais e de alcance quase ilimitado como "o liberalismo", "o totalitarismo", "o fascismo", "a cultura brasileira" e similares. Testa e adestra as suas forças no exame de questões mais limitadas e concretas, de autores e livros em particular, de acontecimentos pontuais, etc., aprimorando aos poucos seus equipamentos analíticos e seus conceitos descritivos sem aliás precisar chegar NUNCA aos temas grandes e pomposos. Praticamente todos os estreantes brasileiros dos últimos anos, no entanto, não têm forças para resistir à tentação do brilho fácil que advém das belas "tomadas de posição" -- ou poses -- doutrinais ante o abstrato e o genérico. Essa conduta é o oposto simétrico do que fazem os grandes autores. A envergadura de um livro não se mede jamais pelo gigantismo do seu tema, mas, ao contrário, pela destreza com que seu autor chega a verdades essenciais pelo exame de detalhes concretos, às vezes de miudezas aparentemente desprezíveis como a embriologia do gato ou a percepção visual (Aristóteles), uma pendenga judicial qualquer (Platão), a biografia de um personagem (Ernst Kantorowicz), o estudo de um período limitado de alguma história local (Jacob Burckhardt), o comentário de um livro recente (Leibniz), e assim por diante. Lembro aos leitores que eu mesmo sempre segui esse preceito óbvio, jamais escrevendo livros sobre temas gerais, mas atendo-me ao exame de coisas como uma conferência de autor obscuro (O Jardim das Aflições), a biografia de um doutrinador político (Maquiavel ou A Confusão Demoníaca), três sonhos sonhados por um filósofo (Visões de Descartes) ou parcelas do "Organon" de Aristóteles (Aristóteles em Nova Perspectiva). Acumulei, ao lado disso, uma imensidão de estudos breves sobre temas ainda mais definidos e concretos, publicados sob a forma de artigos ou de aulas. A tentação dos temas vastos e abstratos revela amadorismo, despreparo, presunção juvenil e esterilidade. Nada do que se vem publicando com esse espírito sobreviverá na memória das próximas gerações, por mais que seus autores se badalem uns aos outros até o limite da demência megalômana, como tenho visto acontecer praticamente todos os meses.

Olavo de Carvalho

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