Um breve exame dos modelos de convivência existentes na sociedade brasileira revela comunidades atomizadas, onde cada um age de maneira imediatista, sem ter a menor consciência dos efeitos das suas ações sobre os seus próximos e às vezes nem sobre o seu próprio futuro. A mesma conduta observa-se em grupos formados por interesses corporativos, sem muita noção do seu papel na sociedade como um todo e na convivência com outros grupos (os professores são o exemplo mais enfático: defendem bravamente os seus interesses de classe sem sentir-se, no mais mínimo que seja, responsáveis pelos efeitos devastadores que a educação que fornecem produz sobre os seus alunos). Um senso de unidade popular só aparece na dissolução dos indivíduos na massa carnavalesca alucinada, e um rudimento de identidade nacional nos campeonatos de futebol.
Não é de espantar que, por baixo do belo quadro institucional e de todos os discursos, a política não passe da disputa animal entre interesses grupais e corporativos, ora sob o pretexto dos direitos humanos e da igualdade, ora sob o da legalidade e da ordem, conforme os agentes se considerem “progressistas” ou “liberal-conservadores”. Mas até os pretextos são intercambiáveis, conforme as conveniências do momento. A linguagem dos debates públicos não serve para descrever a situação, mas para “dar impressão”.
Um princípio de identidade nacional, o sinal da emergência de um autêntico povo brasileiro apareceu nas manifestações de protesto a partir de março de 2015, mas logo a energia ali reunida foi desviada para as “soluções institucionais” em favor da elite política e da “pacificação nacional”. Pela enésima vez a elite salvou-se pela mágica da “conciliação”, repetindo o mecanismo tão bem descrito em dois clássicos dos estudos brasileiros, A Consciência Conservadora no Brasil, de Paulo Mercadante, e Os Donos do Poder,
de Raymundo Faoro. A linguagem do fingimento, ameaçada por uns
instantes, restaurou-se triunfalmente, sufocando uma vez mais a
realidade.
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