quinta-feira, 2 de junho de 2016

Faço aqui, mutatis mutandis, uma analogia com o que Eric Voegelin observou sobre o Estado alemão nos anos 30 do século passado. Os modelos de convivência e associação vigentes na sociedade civil determinam a estrutura real do poder de Estado, independentemente das normas legais consagradas oficialmente. Ou estas últimas refletem aqueles modelos, e aí temos uma sociedade política funcional, ou se sobrepõem a eles como um verniz, encobrindo sob uma camada de adornos jurídicos as relações reais de poder. Neste caso, tudo na vida política é farsa e língua dupla, às vezes sem que os personagens envolvidos se dêem plena conta disso. O deslocamento entre a racionalidade aparente do discurso político e a substância dos fatos traduz-se em ineficiência administrativa e corrupção, e a revolta popular contra os maus governantes, ao expressar-se na linguagem institucional vigente, erra o alvo por muitos metros, apegando-se a soluções aparentes que, no fim das contas, agravam a situação.
Um breve exame dos modelos de convivência existentes na sociedade brasileira revela comunidades atomizadas, onde cada um age de maneira imediatista, sem ter a menor consciência dos efeitos das suas ações sobre os seus próximos e às vezes nem sobre o seu próprio futuro. A mesma conduta observa-se em grupos formados por interesses corporativos, sem muita noção do seu papel na sociedade como um todo e na convivência com outros grupos (os professores são o exemplo mais enfático: defendem bravamente os seus interesses de classe sem sentir-se, no mais mínimo que seja, responsáveis pelos efeitos devastadores que a educação que fornecem produz sobre os seus alunos). Um senso de unidade popular só aparece na dissolução dos indivíduos na massa carnavalesca alucinada, e um rudimento de identidade nacional nos campeonatos de futebol.
Não é de espantar que, por baixo do belo quadro institucional e de todos os discursos, a política não passe da disputa animal entre interesses grupais e corporativos, ora sob o pretexto dos direitos humanos e da igualdade, ora sob o da legalidade e da ordem, conforme os agentes se considerem “progressistas” ou “liberal-conservadores”. Mas até os pretextos são intercambiáveis, conforme as conveniências do momento. A linguagem dos debates públicos não serve para descrever a situação, mas para “dar impressão”.
Um princípio de identidade nacional, o sinal da emergência de um autêntico povo brasileiro apareceu nas manifestações de protesto a partir de março de 2015, mas logo a energia ali reunida foi desviada para as “soluções institucionais” em favor da elite política e da “pacificação nacional”. Pela enésima vez a elite salvou-se pela mágica da “conciliação”, repetindo o mecanismo tão bem descrito em dois clássicos dos estudos brasileiros, A Consciência Conservadora no Brasil, de Paulo Mercadante, e Os Donos do Poder,

de Raymundo Faoro. A linguagem do fingimento, ameaçada por uns instantes, restaurou-se triunfalmente, sufocando uma vez mais a realidade.

Como é possível existir um país com um povo acentuadamente conservador e cristão sem um só partido político conservador e cristão? Basta essa pergunta para evidenciar como tudo na política brasileira é farsa e fingimento.

Eric Voegelin diz que na Alemanha o apelo à “raça” surgiu como substitutivo de uma identidade nacional inexistente e fez sucesso justamente porque parecia preencher uma lacuna. Mas é impossível haver uma unidade nacional fundada na pura biologia.
No Brasil, uma unidade nacional pareceu emergir em quatro momentos da nossa História: a guerra do Paraguai, o governo Getúlio Vargas (com a II Guerra Mundial, a campanha “O Petróleo é Nosso” e a promoção governamental do Rio de Janeiro a símbolo condensado do país) e os movimentos de protesto a partir de 2015. Em todos esses casos o fundamento escolhido era temporário, ou então, pior ainda, baseado na pura geografia.
Uma verdadeira unidade nacional nasce quando as formas de associação e convivência reais da sociedade civil de consolidam em instituições e leis, como o senso comunitário da América colonial se consolidou na Declaração da Independência, na Constituição e no Bill of Rights, ou como, na Inglaterra, as relações tradicionais entre o povo e o “gentleman farmer” se consolidaram nas formas do Direito consuetudinário.
Quando há um hiato, para não dizer um abismo, entre as formas de associação popular e a esfera das instituições, a sociedade política não tem verdadeira representatividade, vive de fingimento em fingimento e de crise em crise, até que apareça algum substitutivo forçado da ordem faltante (por exemplo, o mito da raça superior ou o mero senso da propriedade territorial, o “nosso petróleo”).
Se, por seu lado, as formas populares de associação são toscas e não fornecem base suficiente para uma ordem institucional fundada nelas, então o problema se agrava formidavelmente.


Cleber Augusto Professor, tem alguma idéia do que poderia criar essa unidade nacional de maneira sólida no Brasil?
Olavo de Carvalho
Olavo de Carvalho É preciso sondar e valorizar as formas espontâneas de associação, torná-las conscientes e assumidas/

Para pensar. Pergunta e resposta:
Lucília Simões : A distância geográfica de Brasília do restante do país colabora para a inexistência dessa identidade?
Olavo de Carvalho : Sem dúvida. JK destruiu a síntese simbólica da nacionalidade, plantada por Getúlio Vargas no Rio de Janeiro, e a substituiu por uma mera unidade legal-burocrática condensada à força na arquitetura do Niemeyer. O Rio deixou de ser o coração do Brasil, e Brasília é apenas um cérebro eletrônico enfeitadinho.

É mais fácil gostar de Brasília do que compreender o óbvio: o Rio de Janeiro era REALMENTE uma síntese histórica do Brasil quando o governo Getúlio Vargas decidiu institucionalizá-lo como tal. Eram quatro séculos de história, de esperanças e de sofrimentos que se condensavam nas ruas, nas praças, nos monumentos, na arte popular, na literatura. Esperar que Brasília cumpra o mesmo papel é, realmente, não entender nada. A cidade tem meio século e ainda não produziu sequer um estilo próprio de música popular, nem produzirá nunca.

Getúlio Vargas tinha realmente o senso histórico: tirou apenas as conclusões da realidade em vez de tentar inventá-la por decreto e criá-la com dinheiro público, como JK.

Brasília foi construída PARA FACILITAR A INSTAURAÇÃO DE UM GOVERNO BUROCRÁTICO-SOCIALISTA, e cumpriu perfeitamente o seu papel.

Se a capital do país ainda fosse no Rio, a cidade jamais teria se tornado a meca do narcotráfico, e um governo sem aprovação popular seria derrubado em 24 horas. Em Brasília, os governantes tornam-se deuses do Olimpo.


Paulo Bandeira Discordo, Mestre.
Se fosse assim os governantes do Rio seriam excelentes.
Mas estão entre os piores do país.

E a cidade não estaria nessa situação.
Inclusive a Dilma ganhou lá.
Olavo de Carvalho Paulo Bandeira Que estupidez! Todo o aparato administrativo da Capital era federal. Revovido esse aparato, a cidade ficou às moscas/ Imagine o que será Brasília sem a administração federal, e entenderá o que se passou no Rio.



O de C

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