sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Os termos "direita" e "esquerda" têm vários níveis de significado, que correspondem a fenômenos reais especificamente diferentes, que os nossos lindos doutrinadores e comentaristas de mídia confundem até chegar à alucinação completa.
1. Desde logo significam “ideologias”, isto é, modelos gerais de sociedade, documentados historicamente em textos e justificados por interpretações da realidade histórico-social modeladas numa linguagem aparentemente científica, mas criadas propositadamente para justificá-los.
2. Vêm em seguida as auto-imagens justificadoras dos grupos políticos ativistas, as quais só correspondem às ideologias muito esquematicamente, apelando não raro à imitação da linguagem adversária, como por exemplo quando uma facção direitista se apresenta como defensora da “justiça social” ou o esquerdista apela a “valores cristãos”.
Esses dois níveis não podem, de maneira alguma ser descritos e analisados com os mesmos conceitos.
3. Num outro nível, existem os grupos e partidos reais, liderança e militância. Suas ações só coincidem com a auto-imagem e com a ideologia de maneira remota e hipotética, pois, mesmo supondo-se que tenham o sincero desejo de realizar as metas ali delineadas, têm de primeiro tomar o poder. Estratégia e tática de tomada do poder confundem ainda mais os vários níveis de discurso, por causa das exigências imediatas da disputa, das alianças e da propaganda.
Temos, portanto, não uma oposição dual, mas uma complexa dialética de SEIS elementos que se combinam das maneiras mais imprevistas em cada situação concreta. A confusão leva os observadores mais inexperientes a desistir de saber o que são direita e esquerda e, portanto, até a negar que elas existam. Essa incapacidade camufla-se, com freqüência, numa afetação de superioridade olímpica, onde o sujeito, justamente por não conseguir entender o fenômeno, acredita que o “superou”.
O dr. Feuerstein destaca, entre as principais deficiências da inteligência humana, a dificuldade de seguir DUAS linhas de raciocínio ao mesmo tempo. Imaginem agora o que os nossos iluminados doutrinários e comentaristas conseguiriam fazer com SEIS linhas simultâneas. Anos de treino no modelo dialético da cruz de seis pontas são o mínimo necessário para fazer de alguém um verdadeiro cientista político.


Tanto a “direita” quanto a “esquerda”, por sua vez, subdividem-se em vários fenômenos especificamente diferentes, que só podem ser descritos por conceitos criticamente elaborados e distintos. Só para dar um exemplo, o “liberalismo” é um termo que abarca no mínimo seis correntes ideológicas distintas, às quais correspondem na esfera política real não sei quantos grupos entremesclados e confundidos. Não posso explicar isso aqui por extenso e, portanto, só vou dar, a título de amostra, os nomes de seis ideologias liberais:
1) Liberalismo econômico teórico de Adam Smith (que só tardiamente viria a ter alguma encarnação política).
2) Liberalismo antimonárquico.
3) Liberalismo anticatólico.
4) Liberalismo anti-estatista. (austríaco).
5) Liberalismo católico (herético), condenado em várias encíclicas papais, e antecessor, não raro colaborador, de uma corrente esquerdista, a teologia da libertação.
6) Liberalismo pós-moderno (misto de economia de livre-mercado e a “liberação sexual”, de drogas, etc.
Cada um desses liberalismos aproveita-se, às vezes, da lingüagem de alguns dos outros, criando uma confusão dos demônios.
Entendem por que digo que não existem cientistas políticos no Brasil?


A ciência política, como a zoologia, começa pela classificação dos bichos.

O de C
 

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