quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Em parte nenhuma e nunca Cristo nos pediu para sermos tolos. Chama-nos para sermos bons, brandos, honestos, humildes de coração, mas não idiotas. Como poderia gloriar a tolice Aquele que nos aconselhou a estarmos sempre atentos para não sermos surpreendidos por Satanás? [...] Deus ama a inocência, não a imbecilidade. [...] Saibamos [...] que frequentemente o mal sai muito mais da tolice que da maldade. [...] Deus, entre outras coisas, nos manda ser inteligentes. Para quem é favorecido com o dom da compreensão, a tolice – ao menos de determinado ponto para frente – é pecado: pecado de enfraquecimento e de preguiça, de não empregar o talento.
Nicolae Steinhardt, “O Diário da Felicidade”. Trad. Elpídio Fonseca. São Paulo, É Realizações, 2010, p. 70.


"A teologia da antigüidade, orientada pelo mito, já tinha caído em uma insatisfação que ansiava por se mover além da esfera auto-satisfeita do mito e parecia exigir a reversão do que era simplesmente vivo em fonte da vida. Mas, com relação à violência da visão mítica, é uma maravilha que as tentativas nessa direção dos mistérios e idéias dos grandes filósofos sempre buscaram colocar o homem e o mundo na esfera do divino: exatamente como o mito, eles possuíam, portanto, somente o divino. A autonomia do humano e do mundano desapareceu, tanto nos mistérios de deificação quanto nos conceitos de amor e desejo que permitiram aos filósofos atravessar o abismo; esses conceitos nunca iam do divino rumo ao homem e as coisas do mundo, mas sempre na direção contrária. Isso é verdadeiro dos Gregos em sua busca amorosa da perfeição, e dos Indianos em seu amor por Deus. Pareceria-lhes uma restrição a Deus, ao Deus de que se orgulhavam por o terem erguido à Unidade que acumulava em sua fronte todas as qualidades nobres dos muitos deuses, se tivessem que rebaixá-lo novamente à paixão do amor. Pode ser que o homem o ame; mas seu amor, o amor de Deus pelo homem, poderia ser no máximo uma resposta ao amor do homem, a justa recompensa, e não a graça livre que estende sua bênção para além de todas as normas de justiça, não o poder divino original que faz escolhas ilimitadas, ou mesmo antecipa todo o amor humano e faz o cego ver e o surdo ouvir. E mesmo onde o homem acreditou ter atingido a mais elevada forma de amor, como naqueles círculos dos amigos indianos de Deus, onde se renunciava , por Deus, à todos os pertences, desejos e aspirações e até mesmo aos esforços ascéticos, esperando a graça divina em completa submissão - até aqui essa entrega era uma performance atingida pelo homem, e não a primeira dádiva de Deus. Em outras palavras, o Amor de Deus em primeiro lugar não era para o endurecido, mas para o perfeito. A doutrina da submissão à graça divina passava por um perigoso " mistério dos mistérios"; devia-se evitar, era ensinado, revelá-la àqueles que não cultuavam Deus, àqueles que murmuravam contra Ele, aqueles que não se mortificavam. Eram precisamente esses perdidos, esses duros de coração e incomunicáveis, isto é, os pecadores, que o amor de Deus deveria buscar, vindo de um Deus não somente digno de ser amado, mas que também ama, independente do amor humano; um Deus que, muito pelo contrário, desperta o amor do homem. Mas é claro que para isso, o Deus infinito deveria se tornar tão finitamente próximo ao homem, tão face a face, uma pessoa nomeada perante uma pessoa nomeada, que nenhuma razão dos racionais, nem sabedoria dos sábios, poderia admiti-lo. Ao mesmo tempo, seria necessário que o abismo entre o humano e o divino, um abismo que indica precisamente a impossibilidade de se apagar os nomes próprios, fosse reconhecido e aceito profundamente e verdadeiramente como impossível de ser atravessado por todos os poderes ascéticos do homem e todos os poderes místicos do mundo. Isto era algo que a arrogância do asceta ou a auto-sublimação do místico jamais poderia reconhecer em seu desprezo pelo "som e fúria" dos nomes, fossem mundanos ou celestiais.
E,portanto, a essência desse Deus mítico permaneceu acessível à aspiração humana, mas somente ao preço para o homem de deixar de ser homem e para o mundo de deixar de ser mundo. As asas do desejo místico levaram o homem e o mundo ao fogo consumidor da deificação. Mas ao elevá-los ao divino, esse desejo deixou para trás o que era humano e mundano , ao invés de deles precisar para ascender até lá com um amor mais profundo. Da mesma forma, para os amigos de Deus na Índia, a ação é somente o que não deve ser mal, e nunca o que deve ser bom. E o divino nunca transborda para além de sua própria vida; a antiguidade conseguiu chegar ao monismo de Deus, mas não foi além; o mundo e o homem devem se tornar a natureza de Deus e serem deificados, mas Deus não se rebaixa até eles; ele não se apresenta, não ama, e não deve amar. Ele guarda sua natureza para si. E permanece o que é: metafísico."
Franz Rosenzweig

Citados por Murilo Resende

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