Em parte nenhuma e nunca Cristo nos pediu para sermos tolos.
Chama-nos para sermos bons, brandos, honestos, humildes de coração, mas
não idiotas. Como poderia gloriar a tolice Aquele que nos aconselhou a
estarmos sempre atentos para não sermos surpreendidos por Satanás? [...]
Deus ama a inocência, não a imbecilidade. [...] Saibamos [...] que
frequentemente o mal sai muito mais da tolice que da maldade. [...]
Deus, entre outras coisas, nos manda ser inteligentes. Para quem é
favorecido com o dom da compreensão, a tolice – ao menos de determinado
ponto para frente – é pecado: pecado de enfraquecimento e de preguiça,
de não empregar o talento.
Nicolae Steinhardt, “O Diário da Felicidade”. Trad. Elpídio Fonseca. São Paulo, É Realizações, 2010, p. 70.
"A teologia da antigüidade, orientada pelo mito, já tinha caído em
uma insatisfação que ansiava por se mover além da esfera auto-satisfeita
do mito e parecia exigir a reversão do que era simplesmente vivo em
fonte da vida. Mas, com relação à violência da visão mítica, é uma
maravilha que as tentativas nessa direção dos mistérios e idéias dos
grandes filósofos sempre buscaram colocar o homem e o mundo na esfera do
divino: exatamente como o mito, eles possuíam, portanto, somente o
divino. A autonomia do humano e do mundano desapareceu, tanto nos
mistérios de deificação quanto nos conceitos de amor e desejo que
permitiram aos filósofos atravessar o abismo; esses conceitos nunca iam
do divino rumo ao homem e as coisas do mundo, mas sempre na direção
contrária. Isso é verdadeiro dos Gregos em sua busca amorosa da
perfeição, e dos Indianos em seu amor por Deus. Pareceria-lhes uma
restrição a Deus, ao Deus de que se orgulhavam por o terem erguido à
Unidade que acumulava em sua fronte todas as qualidades nobres dos
muitos deuses, se tivessem que rebaixá-lo novamente à paixão do amor.
Pode ser que o homem o ame; mas seu amor, o amor de Deus pelo homem,
poderia ser no máximo uma resposta ao amor do homem, a justa recompensa,
e não a graça livre que estende sua bênção para além de todas as normas
de justiça, não o poder divino original que faz escolhas ilimitadas, ou
mesmo antecipa todo o amor humano e faz o cego ver e o surdo ouvir. E
mesmo onde o homem acreditou ter atingido a mais elevada forma de amor,
como naqueles círculos dos amigos indianos de Deus, onde se renunciava ,
por Deus, à todos os pertences, desejos e aspirações e até mesmo aos
esforços ascéticos, esperando a graça divina em completa submissão - até
aqui essa entrega era uma performance atingida pelo homem, e não a
primeira dádiva de Deus. Em outras palavras, o Amor de Deus em primeiro
lugar não era para o endurecido, mas para o perfeito. A doutrina da
submissão à graça divina passava por um perigoso " mistério dos
mistérios"; devia-se evitar, era ensinado, revelá-la àqueles que não
cultuavam Deus, àqueles que murmuravam contra Ele, aqueles que não se
mortificavam. Eram precisamente esses perdidos, esses duros de coração e
incomunicáveis, isto é, os pecadores, que o amor de Deus deveria
buscar, vindo de um Deus não somente digno de ser amado, mas que também
ama, independente do amor humano; um Deus que, muito pelo contrário,
desperta o amor do homem. Mas é claro que para isso, o Deus infinito
deveria se tornar tão finitamente próximo ao homem, tão face a face, uma
pessoa nomeada perante uma pessoa nomeada, que nenhuma razão dos
racionais, nem sabedoria dos sábios, poderia admiti-lo. Ao mesmo tempo,
seria necessário que o abismo entre o humano e o divino, um abismo que
indica precisamente a impossibilidade de se apagar os nomes próprios,
fosse reconhecido e aceito profundamente e verdadeiramente como
impossível de ser atravessado por todos os poderes ascéticos do homem e
todos os poderes místicos do mundo. Isto era algo que a arrogância do
asceta ou a auto-sublimação do místico jamais poderia reconhecer em seu
desprezo pelo "som e fúria" dos nomes, fossem mundanos ou celestiais.
E,portanto, a essência desse Deus mítico permaneceu acessível à
aspiração humana, mas somente ao preço para o homem de deixar de ser
homem e para o mundo de deixar de ser mundo. As asas do desejo místico
levaram o homem e o mundo ao fogo consumidor da deificação. Mas ao
elevá-los ao divino, esse desejo deixou para trás o que era humano e
mundano , ao invés de deles precisar para ascender até lá com um amor
mais profundo. Da mesma forma, para os amigos de Deus na Índia, a ação é
somente o que não deve ser mal, e nunca o que deve ser bom. E o divino
nunca transborda para além de sua própria vida; a antiguidade conseguiu
chegar ao monismo de Deus, mas não foi além; o mundo e o homem devem se
tornar a natureza de Deus e serem deificados, mas Deus não se rebaixa
até eles; ele não se apresenta, não ama, e não deve amar. Ele guarda sua
natureza para si. E permanece o que é: metafísico."
Franz Rosenzweig
Citados por Murilo Resende
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