sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Nunca fui tímido por natureza, mas entre os vinte e os vinte e poucos anos tive um período de timidez porque estava com todos os dentes estragados, não tinha dinheiro para consertá-los, parecia um mendigo e julgava que a coisa mais sensata a fazer com a minha cara era escondê-la. Por isso compreendo perfeitamente o fenômeno da timidez Ela tira você da corrente da vida e o espreme num canto escuro onde tudo só acontece em pensamento e nada se realiza. Ela esmigalha oportunidades como se fossem minhocas em que você pisa no caminho. Ela afasta você do que você quer e povoa a sua vida de tudo o que você não quer. Da timidez à depressão e da depressão ao ressentimento o caminho é bem curto. Os tímidos estão entre os alimentos preferidos do diabo. Ele os mastiga como chicletes e joga fora a borrachinha insossa que sobra no fim. Se você tem a tentação da timidez, largue disso imediatamente. Comece a fazer tudo o que você teme que vai cobri-lo de ridículo. É melhor pagar mico do que ser um mico.

O Bullying destrói os tímidos mas estimula os caras-de-pau. Na escola fui alvo de bullying porque, tendo ficado trancado num quarto de doente por sete anos, era branco como um vampiro numa terra de gente morena. Chegaram a me apelidar de Omo, o sabão em pó que, segundo o anúncio, lava mais branco. Eu poderia até choramingar que fui vítima de racismo inverso. Mas, recém-egresso do limbo, eu estava tão apaixonado pela vida que tudo para mim era diversão. Retribuía piada com piada, gozação com gozação, e no fim tudo ficava bem.

Só uma vez saí na porrada, não lembro o porquê. Mas o meu adversário acabou se tornando o meu melhor amigo.

Na escola conheci uma loirinha portuguesa que se tornou a minha primeira paixão inviável, porque ela já tinha um namoradinho. Minha segunda paixão, já no ginásio, foi uma neguinha linda chamada Ana Maria. Quando fui à casa dela declarar o meu amor, a mãe dela me informou que em dois ou três dias a família estava se mudando para outro Estado, e a minha estréia no universo amoroso foi para as picas por impossibilidade geográfica.

Minha terceira paixão foi a irmã de um amigo meu, a qual me agarrou em baixo da escada e repentinamente me levou às estrelas. Ela era justamente aquela com quem eu acreditava que jamais teria chance, pois, grande e exuberante, vivia cercada de admiradores mais velhos perto dos quais eu não passava de um pirralho.

Minha maior decepção amorosa foi uma morena maravilhosa. Era louca por futebol, que eu detestava. A desgraçada me obrigou a assistir a uma Copa do Mundo inteira, finda a qual a minha paixão tinha se volatilizado.

O de C

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