O Eric Voegelin relia as obras completas de Shakespeare uma vez por
ano. Manuel de Barros ou Adelia Prado você lê uma vez e nunca mais. Não
venha me dizer: "Ah, mas eu gosto!" Eu gosto do Bigmac, e daí? Isso faz
dele um grande valor pedagógico, uma luz para a humanidade sofredora?
Qualquer um pode gostar de coisas que não são de proveito para mais
ninguém. Quando criança, eu gostava dos meus soldadinhos de chumbo.
Vocês ganharam alguma coisa com isso?
Voltaire, o guru do Rodrigo Cocô, achava as peças de Shakespeare uns cocôs. Alguém ainda lê as peças de Voltaire?
Hugo de S. Vítor dizia: "Não se pode ensinar filosofia a um aluno que
tem saudades da cabaninha onde nasceu." Desapegar-nos dos nossos
gostinhos e aprender a sentir como as outras pessoas sentem é uma das
coisas que a literatura ensina. Crescer é aprender a amar aquilo que
TODOS devem amar.
Quando neném, eu me apegava, para dormir em paz, à minha chupeta. Hoje apego-me às palavras do Pai Nosso.
O maior filósofo do mundo é provavelmente John Deely. O que o estraga é que ele é um mau escritor.
Se eu tivesse a existência protegida e aprazível de um acadêmico
americano, minha obra seria toda organizadinha. Com milhares de MAVs e
Veadascos torrando diariamente o meu saco em torradeira elétrica, faço
só o que posso.
Tenho um precedente honroso: na vida agitada do jornalismo, da
política, das perseguições e do exílio, José Ortega y Gasset JAMAIS
TERMINOU UM LIVRO.
Minha vida foi tão variada, agitada e complicada que só um gênio da
biografia poderia dar conta dela. Veadascos e Mirians Macedos,
presumindo-se capazes de lidar com o assunto, movidos aliás pelo único
propósito de provar logo que sou um filho da puta, só conseguem é ficar
cada vez mais doidos.
Eu mesmo não me considero capaz de escrever minha biografia. Fico perdido na multidão de acontecimentos.
Das coisas que eu amava na minha infância, algumas tinham valor
permanente e as amo até hoje. A minha Igreja ou os bons exemplos que
recebi da minha mãe estão entre elas. As outras são apenas curiosidades
biográficas.
A obra de Leibniz é uma mixórdia sem fim, mas ele conseguiu resumir
tão bem o essencial da sua filosofia em dois livros curtos --
Monadologia e Tratado de Metafísica --, que a organização dos seus
textos para publicação continua até hoje e nem por isso seu pensamento é
desconhecido.
Entre escritores e filósofos, há espíritos construtivos e espíritos
reativos. Estes precisam de algum estímulo exterior para se por em
marcha, e por isso todos os seus escritos são de ocasião. Meu precedente
mais ilustre, nisso, é o próprio Leibniz. Entre os construtivos, Kant e
Hegel são exemplos típicos.
O de C
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