quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Há uns vinte anos encostei num canto a questão da astrologia por julgá-la praticamente insolúvel. De repente me aparecem pessoas defendendo com ardor e certeza infalível argumentos pró e contra como se estivessem me trazendo grandes novidades, sem nem suspeitar, mesmo de longe, que já examinei tudo isso e muito mais. Mutatis mutandis, são como o rapaz que me recomendou ler "As Veias Abertas da América Latina"... Isso é Dunning-Kruger quatro cruzes.

Trinta e tantos anos atrás tive na TV Cultura do Rio um debate sobre astrologia com o astrônomo Lineu Hoffmann. Antes do programa anunciei à minha então assistente, Stella Caymmi, todos os argumentos que ele iria apresentar:
1) Precessão dos equinóxios.
2) Gêmeos astrais.
3) Influência à distância.
4) Determinismo e livre arbítrio.
etc.
Ele repetiu tudo com exatidão milimétrica. A mesma coisa sucedeu depois num debate com o Rogério Freitas Mourão no programa da Márcia Peltier.
Pois até hoje vem gente me apresentar esses e outros argumentos padronizados, mais velhos do que cagar pelo cu, como se estivessem me revelando alguma coisa.


Por que tantos jovens me recomendam velhos livros que acabaram de ler, sem suspeitar, nem de longe, que talvez eu já os tenha lido quando tinha a idade deles?

Se você não quer pagar mico, nunca entre num debate sem conhecer o "status quaestionis". O debate astrológico do século XX foi prodigiosamente rico de idéias, hipóteses, sugestões e argumentos. Ao mudar para os EUA me desfiz de mais livros sobre astrologia -- que não podia transportar e podia facilmente recomprar aqui se necessário -- do que provavelmente você já leu sobre quaisquer assuntos ao longo de toda a sua vida. Se você quer dar palpite a respeito, faça uma pesquisa bibliográfica e, por caridade, diga algo que eu não saiba.

É incrível. Gente que não leu NADA a respeito vem brandir diante de mim a autoridade de... Carl Sagan, que é autor para adolescentes.

Essa turma de palpiteiros vagabundos quer entrar na discussão sem apreender nem mesmo a distinção elementar entre "astrologia" e "influência dos astros". Essa distinção é tão antiga e tão básica que todos os grandes filósofos cristãos de Sto. Agostinho a Sto. Tomás condenavam a astrologia ao mesmo tempo que aceitavam a influência dos astros sobre a conduta humana.

Não posso discutir com quem não sabe nem mesmo qual é o objeto em discussão.

"influência dos astros" é um fenômeno objetivo que existe ou não existe. "Astrologia" é um conjunto inabarcável de idéias, práticas, mitos, especulações, fantasias, tradições culturais, intuições, tudo misturado numa mixórdia indeslindável que NINGUÉM poderá jamais reduzir a uma teoria unificada passível de ser discutida. Por que sei isso? Porque estudei os dois assuntos e sei que são dois -- coisa que os palpiteiros "científicos" não percebem nem mesmo em sonhos.

Quando fui testado pela Veja, para analisar um mapa astral anônimo, só pedi dois dados alheios ao mapa: (a) o sexo da pessoa; (b) a certeza de que era um personagem público, cuja biografia pudesse ser facilmente averiguada. Do mapa extraí as seguintes informações:
(a) a profissão do sujeito (escritor, jornalista);
(b) suas tendências políticas (esquerda radical);
(c) seu homossexualismo;
(d) o fato de ter sofrido exílio.
Um astrólogo usual diria muito mais coisas, todas inventadas. Mas até agora ninguém me deu uma explicação científica de como cheguei a essas quatro modestas conclusões sem que houvesse alguma correspondência entre elas e o mapa astral.
O mapa -- como depois me informou o repórter -- era do Fernando Gabeira.


Pensem bem: Qual a probabilidade estatística de que o ambiente cósmico em torno NÃO exerça nenhuma influência sobre o organismo psicofísico humano? Quando pergunto isso, vem sempre um idiota e diz que é inversão do ônus da prova -- mostrando que confunde método científico com debate judicial.

Ciência é confrontação de hipóteses no terreno dos fatos. Se, dada uma hipótese, sugerir a hipótese oposta é intolerável "inversão do ônus da prova", toda investigação científica se torna automaticamente impossível. Estou com o saco cheio de discutir com "cientistas" que não têm a menor idéia do que é ciência.

No debate com o astrônomo Ronaldo Freitas Mourão, nacionalmente reconhecido como autoridade científica, ele afirmou que todos os filósofos escolásticos negavam a influência dos astros.
-- Cite um, solicitei.
Não veio nenhum.
Então citei vários que afirmavam taxativamente a existência desse fenômeno.
Ele saiu do debate prometendo que nunca mais tocaria no assunto. Cumpriu a palavra. Isso vai para mais de trinta anos, quando os meus atuais "debatedores" nem tinham nascido.

Sabem por que tantos saberetas rejeitam como "inversão do ônus da prova" a simples sugestão de uma hipótese alternativa? Porque padecem de uma das 28 deficiências de inteligência descritas pelo prof. Reuven Feuerstein: a incapacidade de seguir duas linhas de raciocínio ao mesmo tempo. Isso é EXATAMENTE assim. That's all, folks.

Se você é burro, não desanime. Todos nascemos burros, inclusive os gênios. Só o que não pode é dizer, como um amigo do Pedro aos dez anos de idade:
-- Sou burro com muito orgulho.

Na quase totalidade dos "debates" que puxam pela internet, a dificuldade não está nos "argumentos", mas nos conceitos básicos que os formam, geralmente tão toscos e impressionistas que se torna impossível prosseguir a discussão sem reeducar o interlocutor desde os rudimentos da abstração verbal.

Dá mesmo é ganas de gritar: Socooooorro, Carlos Nadalim!

No meu tempo não havia o Carl Sagan, mas havia o Fritz Kahn, que até escrevia melhor. Era divertido e educativo, mas quem quer que o citasse como autoridade num debate intelectual se exporia ao ridículo. Hoje a molecada cita o Carl Sagan e nem percebe o mico.

Diz o Fabiano Viana: "Pegar o mapa astral de cem pessoas e adivinhar a profissão dessas pessoas com precisão de 80% já seria um feito notável."
Obviamente ele não sabe que isso já foi feito com uma amostragem não de cem casos, mas de 50 mil. zv.:http://astrologynewsservice.com/…/the-gauquelin-controversy/

Há meio século a pesquisa Gauquelin é o Mobral, o be-a-bá, o capítulo 1 de qualquer discussão séria sobre o fenômeno astral. No Brasil até hoje há pessoas que querem debater o assunto sem nem mesmo ter ouvido falar dela. É como discutir política exterior americana sem saber que houve uma guerra do Vietnam.
Aposto que, em menos de 24 horas, vão brotar do nada centenas de especialistas wikipédicos dando suas opiniões a respeito...

O de C

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