Rafael Falcón Passei a faculdade toda revirando livros de crítica literária e achando tudo uma bosta, mas achei alguns que valem a pena, e com eles aprendi quase tudo o que sei. Os ingleses merecem toda a nossa gratidão por terem inventado o "practical criticism", pois isso só se aprende vendo alguém fazer.
Mauro S. Silva As
per your comment… Eu gostaria de te pedir que indique uma obra de
crítica literária, ou até mesmo um crítico que realize tal abordagem.
Rafael Falcón Você
não vai ver isso em plenitude em nenhum livro que eu conheça, mas
alguns vão ajudar a apontar o caminho. Os ensaios de T. S. Eliot,
"Practical Criticism" de I. A. Richards e "The Living Principle" de F.
R. Leavis seriam a minha "santíssima trindade" da crítica.
Por exemplo, pode-se ler o soneto camoniano "Amor é fogo..." em seu
sentido primário, como um estudo de Eros, ou alegoricamente,
interpretando o Amor como o conceito doutrinal de Espírito Santo. As
duas leituras funcionarão, como num jogo de ambiguidades. Mas para ler o
soneto em toda a sua profundidade, será necessário fundir a leitura
literal com a alegórica, atingindo um conceito de amor que engloba
simultaneamente a relação erótica homem-mulher e o Amor divino.
Na verdade, essa síntese é que seria o verdadeiro Espírito Santo, e o propósito do poeta é te ensinar algo sobre o mesmo Espírito. Mas a leitura alegórica bloqueia o entendimento e não permite que você aprenda coisas novas. Por isso ela é sempre uma etapa muito básica da leitura, comparável ao processo de olhar as palavras desconhecidas no dicionário.
E ela só serve em alguns casos, muito limitados. O poeta tem que convidar à leitura alegórica, senão ela não passa de uma projeção da vaidade do leitor.
Rafael Falcón Eu bem que gostaria, mas não teria espaço para explicar isso aqui. Num ensaio futuro, espero esclarecer o problema.
Na verdade, essa síntese é que seria o verdadeiro Espírito Santo, e o propósito do poeta é te ensinar algo sobre o mesmo Espírito. Mas a leitura alegórica bloqueia o entendimento e não permite que você aprenda coisas novas. Por isso ela é sempre uma etapa muito básica da leitura, comparável ao processo de olhar as palavras desconhecidas no dicionário.
E ela só serve em alguns casos, muito limitados. O poeta tem que convidar à leitura alegórica, senão ela não passa de uma projeção da vaidade do leitor.
Atila de Almeida Rafael Falcón,
o que dizer do tipo de interpretação que tende a relacionar o conteúdo
de um texto com seu contexto e, dessa forma, atribuir-lhe um significado
harmônico com a época do texto em questão, de certa forma, está claro,
sugerindo que esse tipo de relação
texto/contexto é a chave "social", "histórica" ou seja lá o que for que
abriria para os significados? Ex: o poema que você citou de Camões
poderia ser usado para compreender a ideia de "amor" de uma determinada
época: a de Camões e suas heranças anteriores. O que você pensa sobre
esse tipo de relação que, aparentemente, "abre" o texto ?
Aparentemente....
Rafael Falcón Isso
não é crítica literária, é sociologia histórica, e extremamente
problemática, porque é possível (e no caso de Camões, EVIDENTE) que o
escritor seja "sui generis", e não representativo da média dos seus
contemporâneos. De qualquer forma, mesmo que fosse bem-feito, não
esclareceria nada sobre o texto em si.
Atila de Almeida É
bem o que penso. Se esse tipo de leitura "abre" alguma coisa, essa
coisa é o que nós damos valor, ou melhor, o que o sociólogo ou
historiador, como você disse, dá valor. O texto fica lá parado.
Rafael Falcón Outra
coisa: esse tipo de estudo PRESSUPÕE que o historiador ou sociólogo
seja plenamente capaz de interpretar o texto, o que geralmente não é o
caso. Qualquer objeção levantada à interpretação textual derrubaria toda
a tese do estudioso. É delicadíssimo.
Atila de Almeida Então,
há ainda outra questão importante: deixe-me voltar ao exemplo de Camões
(mas poderia ser qualquer outro). No caso, um tipo de interpretação
estaria interessada em pensar Eros; por outro lado, o outro tipo, o
alegórico, o conceito doutrinal do Espírito
Santo. Você disse que o importante é relacionar as duas coisas, para
ganhar profundidade. Mas um texto pode ter diversas interpretações
razoáveis. Como você pensa essa questão? Como saber que há um "limite",
ou um "já basta", de relações e fundições entre tipos de interpretação
diferentes. Ou não há esse tipo de necessidade? O que acha?
Rafael Falcón O
texto ele mesmo determinará que interpretações são cabíveis, e quais
não são. Um texto PODE ter várias interpretações razoáveis, mas isso não
é tão comum quanto alguns imbecis acadêmicos gostariam que fosse.
Atila de Almeida Não sei se é abusar da sua paciência, mas você poderia se alongar um pouco mais nesse último ponto? Se não puder, tudo bem.
Rafael Falcon
Nenhum comentário:
Postar um comentário